“NÃO FOCAR NO ÓDIO A AGRESSORES É MELHOR SAÍDA PARA DEFENDER ANIMAIS", SUGERE RANCHO DOS GNOMOS
Conversa com fundadores de Santuário me fez refletir sobre quem somos nós diante de crueldades às vítimas de maus-tratos (humanas e não humanas)
16/04/23
Por: Sabrina Pires
Verrú, urso que "dançava" no circo, resgatado pelo Rancho dos Gnomos. / Foto: Sabrina Pires
“Só de pensar no sofrimento que esses animais passaram eu me revolto! Me dá uma raiva!”, digo para Silvia e Marcos, fundadores do Santuário Rancho dos Gnomos, no interior de São Paulo. O local abriga algumas dezenas de animais entre ursos, onças, macacos e outros. A maioria resgatada de circo, zoológico ou vítima de desmatamento.
Silvia oferece um chá de cidreira. Em outra história contou que ele, o chá, atuava como uma espécie de abraços frente a desafios dolorosos. E então, respondeu:
“Com o tempo, Sabrina, a gente aprendeu que só se resolve mesmo pelo amor. Senão o ciclo de violência cresce. E eles, os animais, que arcam com as consequências. Com mais maus-tratos.”
“Poxa, Silvia, mas como não se indignar com tanta crueldade? Um urso de mais de 200 quilos que passa 20 anos pisando em chapa quente para “dançar” no circo e depois ainda é abandonado em uma jaula minúscula no meio de uma estrada do sertão do Ceará sem água e sem comida! Como não se revoltar?”
“A gente não perde a indignação, não! E sentimos muito quando vemos o sofrimento dos animais que chegam até nós. Algumas vezes, eles não aguentam e ficam livres (falecem) mesmo antes dos nossos cuidados. Mas com os anos, percebemos que se estivermos na raiva, é raiva o que vamos emitir. É com ódio que vamos acolher. Então, depois de tanto sofrer, não queríamos que esses animais sentissem amor? Sentissem segurança? Então, hoje recebemos os resgatados e deixamos esses sentimentos negativos do portão pra fora.”
“É lindo, mas não dá! Só de pensar na Chiquinha me sobe o sangue!” (A Chiquinha é uma macaquinha que vivia em uma oficina e era estuprada com ferramentas pelo “dono”).
“Eu também vivia assim. E isso me consumia. Exauria minha energia. Comigo era olho por olho, dente por dente. A experiência me mostrou que isso não constrói. Mudar essa chave em nós é um exercício diário!
Tem um caso de um amigo nosso, o Francisco, lá da Bahia. Ele passava numa estrada e viu o homem chicoteando o burrinho. Saía até sangue. Ele parou e se dirigiu ao agressor, com tranquilidade!
“Ô, irmão, pare de açoitar seu amigo, ele que te ajuda no seu trabalho. Não faça isso com ele e venha cá me dar um abraço”.
O agressor meio sem reação, largou o chicote, abraçou Francisco e caiu no choro.
Parece mágica, né, Sabrina, mas é a teoria do link (alô, @robisnassaro). Essa teoria explica que os animais, idosos, crianças e mulheres são as vítimas de pessoas violentas que descarregam raiva e frustrações nos mais frágeis. E que muitas vezes também foram violentadas. É a corrente do mal que se perpetua! E quando alguém consegue cortar isso, as chances de agressões diminuem muito!
Imagina chegar brigando com esse agressor? Depois você, o justiceiro, vai embora e sabe o que acontece? Com mais raiva, o agressor vai descarregar tudo no animal. O burrinho iria apanhar muito mais.”
“Sim, faz sentido, mas levar isso para o dia-a-dia, essa postura, realmente…”
“Ser respeitoso com o outro não significa concordar. E ser amoroso com agressores nem sempre dá certo, de cara! Mas depois de 30 anos vendo as maiores atrocidades com animais, demorei mas entendi: se com amor não vai, não vai ser com o desamor que vai dar certo!
Pega mais chá de cidreira!”
Haja cidreira!
Sabrina Pires é jornalista, pesquisadora do vínculo entre pessoas e animais, criadora do canal "E aí, bicho?"