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CADASTRO NACIONAL DE ANIMAIS NÃO DEVERIA SER CONFUNDIDO COM IDEOLOGIA

Críticos de nova lei questionam politicamente proposta que pode ser base para identificar maus-tratos

21/01/25

Por Robis Nassaro

Cadastro Nacional de Animais Domésticos é projeto de 2015 / Foto: E aí, bicho?

Em um programa na TV no início de dezembro do ano passado, ouvi um dos comentaristas criticar o então Projeto de Lei que estava tramitando na Câmara dos Deputados com o objetivo de criar um cadastro nacional de animais domésticos. A fala foi dura e enviesada, dando a entender que essa era uma pauta de esquerda, do executivo federal.


Fiquei pensando. Como um posicionamento político poderia ser o responsável por essa pauta que tramita desde 2015 e transcende qualquer discussão ideológica-partidária?


Como a pauta de bem-estar animal poderia ser da esquerda? O centro e a direita não têm sensibilidade ao tema? Foi a esquerda que propôs a Lei Sansão? (Lei federal nº 14.064/2020, que ampliou as penas para os crimes de maus-tratos contra cães e gatos).


Deixe-me explicar meu inconformismo sobre as falas que ouvi. Eu acompanho o PL nº 3.720, desde 2015 e, também, o PL nº 2.230, de 2019, que substituiu o anterior.


São esses PLs que deram origem à Lei federal nº 15.046/2024, de 17 de dezembro, que “Autoriza a criação do Cadastro Nacional de Animais Domésticos”. Isso mesmo, a proposta agora é uma lei que materializou muitas expectativas desde a sua proposição.


Eu vejo a nova lei com um alento. Quem trabalha ou já trabalhou em fiscalização de maus-tratos - como eu - reconhece a identificação do tutor (“dono”) do animal maltratado como uma das principais dificuldades para a responsabilização do crime, especialmente para os casos de abandono, que são muitos. E por isso esses casos continuam acontecendo.


Ter um cadastro que vincule o animal a um responsável significa um início, a partir do qual também será possível saber quantos milhões de animais domésticos existem no pais e de quais espécies, principais doenças, etc., e especialmente, ampliar a noção de responsabilidade aos tutores.

A ideia é conhecer o perfil dos animais, saber a localização deles no país, os tutores, etc., para poder instituir políticas públicas de bem-estar animal. Isso não é bom?


De volta aos comentaristas, as criticas foram centradas em três pontos: 1) não se deveria implantar um microchip no animal (seria um sofrimento), 2) o cadastro nacional acessível pela internet traria o risco da divulgação de dados pessoais, e finalmente, 3) maior receio deles é que o cadastro gere uma taxa, no futuro.


Olhe os argumentos e se coloque no lugar da equipe técnica que tenta avançar na proteção dos animais.


Marcação de animais é algo conhecido, não é novo. O uso de microchips ou outras metodologias modernas sempre deverão ser avalizados por protocolos médicos-veterinários previamente estabelecidos, validando inexistência de sofrimento animal, tanto na implantação quanto no dia a dia, observando-se que cada espécie tem suas particularidades físicas e  demandam marcações adequadas. Assim, esse argumento por si só não procede.


Reforço que o uso de marcação permanente é essencial para identificação do animal, a partir da qual se identificará, também o responsável, sendo possível localizá-lo em caso de fuga e, sim, responsabilizar o tutor em caso de maus-tratos, dentre eles o abandono.


Em relação à divulgação, via internet, do RG e endereço do tutor (“proprietário”) onde se localiza o animal, a preocupação dos comentaristas deve ser levada em consideração. Não é difícil de perceber que vivemos em um mundo onde ninguém se sente seguro. Todos têm medo. Há tantas possibilidades de fraudes e crimes que ninguém quer fornecer seus dados pessoais para serem divulgados na internet.


Porém, a lei aprovada ainda deverá ser regulamentada, momento para que os ajustes sobre a proteção dos dados pessoais sejam feitos. Não vejo problema, por exemplo, de ter uma lista com meus dados para acesso exclusivo do Poder Público, afinal ele já o tem, especialmente pela Receita Federal. Então, a preocupação tem fundamento, mas é plenamente solucionável com uma regulamentação protetiva.


Por fim, em relação eventual taxação. Triste momento em que a Lei do Cadastro dos Animais foi aprovada porque falar de qualquer possibilidade de criar tributos atualmente tende a aflorar repulsa na maioria dos brasileiros, entretanto, na redação da lei não se percebe intenção de taxar os cadastrados, mas é argumento dos comentaristas para inviabilizar a norma e destruir o esforço daqueles que se dedicaram para aprová-la.


Aqui o contra-argumento é o fato de que a instituição de um novo tributo depende de Lei aprovada pelo Congresso Nacional e, também, de anterioridade, ou seja, quando se aprova em um ano legislativo, só passa a ser cumprido a partir do próximo. Se o receio da instituição de uma taxa de cadastro é efetivo, basta nossos representantes do povo, os mesmos que aprovaram o cadastro, inviabilizarem um projeto dessa natureza.


Enfim, separemos as coisas, o que é bom é bom, independentemente de quem está propondo (ideologia ou partido político). O Cadastro Nacional de Animais Domésticos é bom e deve ser implementado como a mais importante base para a instituição de políticas públicas de proteção animal do país.


Que venham os ajustes no âmbito da regulamentação para que o cadastro saia do papel e gere os tão esperados benefícios aos animais. Mãos à obra Brasil!

Robis Nassaro

Doutor em Ciências Policiais e pesquisador da Teoria do Link.

Escreve, com muito orgulho, uma coluna mensal para o “E aí, bicho?”


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