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MAUS-TRATOS AOS ANIMAIS ESTÁ NA BASE DO PRIMEIRO BATIZADO DO PCC

Sombra era cruel com vítimas; Teoria do Link ajuda explicar violência de Idemir Carlos Ambrósio. E o que cada um de nós pode fazer ao se deparar com situação de crueldade contra animais.

15/05/22

Robis Nassaro

Imagem: Reprodução

O repórter investigativo Josmar Jozino em matéria publicada no UOL no dia 27 de abril descreveu Idemir Carlos Ambrósio quando criança. Conhecido como Sombra no mundo do crime, ainda menino, conforme apurou o jornalista, colocou uma jararaca-do-campo e uma cascavel em uma lata de óleo de 18 litros para brigarem e saber qual delas venceria. O pai de Idemir o punia por suas traquinagens com castigos brutais. Em uma dessas ocasiões, ele o amarrou em um tronco de uma laranjeira, sob o sol quente, deixando-o lá de um dia para outro. Com isso, Idemir ampliava sua agressividade.


Em outra situação, Idemir deixou uma brasa do fogão de lenha cair no chão e seu pai o fez apagá-la descalço. A violência em casa fez com que a irmã mais velha deixasse a família.


O lar caótico e violento não demorou a transformar Idemir em Sombra que, por ter boa pontaria, bandeou-se para o crime: cometeu inúmeros roubos a bancos e aterrorizou municípios paulistas importantes como Sorocaba, Piracicaba e Ribeirão Preto.


Jozino conta que a crueldade com as vítimas dos roubos e com rivais eram uma das características marcantes do Sombra. Aqui desperto a Teoria do Link, construída desde a década de 60 do século passado, nos Estados Unidos, que relaciona a crueldade animal praticada na infância e adolescência como um indicador de uma possível pessoa violenta e insensível no futuro.


Nos anos de 1963 e 1966, os psiquiatras americanos John Marshall Macdonald, Daniel Hellman e Nathan Blackman pesquisaram homicidas e outros criminosos já condenados por crimes violentos em diversas penitenciárias dos Estados Unidos e perceberam que uma porcentagem significativa deles tinham um comportamento comum, presente na infância, que era praticar crueldade animal. Inclusive foi o que chamou a atenção de Fernando Tápia, outro psiquiatra americano que, em 1971, inovou ao estudar 18 crianças e adolescentes que estavam presos, exatamente pela prática reiterada de crueldade animal. Antes dele, só havia estudos de pessoas adultas.


Em 1978 Tápia refez as pesquisas com 13 jovens daqueles 18 estudados em 1971. Percebeu que oito deles ainda praticavam crueldade animal. Esses jovens tinham em comum um lar violento, com presença de bebidas, drogas, doenças mentais e, inclusive, registros criminais. Tápia concluiu que os fatores ambientais na família e o comportamento dos pais tinham efeitos significativos no comportamento futuro das crianças e adolescentes e que, nem sempre, a crueldade animal desaparece com a maturidade.


A partir daí, Tápia indicou que crianças e adolescentes nessas situações fossem retirados dos lares degradados em que se encontravam. Foi o que deu origem ao conceito chamado de “sentinela” ou “ bandeira vermelha”, que indica a crueldade animal como um ponto de atenção, pois se ela acontece em um lar, há outros fatores que provavelmente a estão propiciando.


É muito interessante as pesquisas dos psiquiatras Alan Felthous e Stephen Kellert que em 1985 comprovaram maiores níveis de agressividade em condenados, já presos em penitenciárias, que tinham praticado crueldade animal durante a infância em relação aos demais que não praticaram, o que também foi percebido nas pesquisas realizadas por Phil Arkow e Frank Ascione, em 1999. Eles concluíram que crianças expostas à violência doméstica apresentaram três vezes mais probabilidade de serem cruéis com animais do que crianças que não foram e, também, a conexão entre a crueldade animal e o abuso infantil, pois em 57 famílias pesquisadas por haver animais maltratados havia também elevada porcentagem de crianças abusadas. E que, na maioria das vezes, a violência doméstica é praticada contra o animal de estimação, como forma de controlar a família para que não ocorra com ela o que ocorreu com o animal e é por isso que há relatos bastante sérios de mulheres que permaneceram apanhando de seus maridos em casa para evitar que a próxima vítima não fosse o animal de estimação.


Phil Arkow e Frank Ascione estudaram sistematicamente a crueldade animal, o abuso infantil e violência doméstica e concluíram que quando tais comportamentos ocorrem em um ambiente familiar é muito provável que exista um ciclo continuo e permanente de violência que deve ser quebrado. Por isso, eles definiram o “Link” da seguinte forma: é um adulto que abusa de uma criança ou animal como resultado dele ter sido testemunha de um abuso ou ter sido abusado, ele mesmo. Violência doméstica, abuso infantil e crueldade animal estão conectados uns aos outros e o ciclo continuará até que seja quebrado.


Voltemos ao Sombra. Ao ler a reportagem de Josmar Jozino, percebemos alguns dos comportamentos “sentinela” ou “bandeira vermelha” indicados por Fernando Tápia em crianças e adolescentes e observados em presos adultos por Alan Felthous e Stephen Kellert. A crueldade contra animais e agressividade resultantes da violência doméstica praticada pelo pai do Sombra em um lar caótico certamente propiciaram um terrível ambiente de aprendizagem ao jovem Idemir, o que contribuiu para que se transformasse no conhecido criminoso cruel e insensível com suas vítimas. Quando Phil Arkow e Frank Ascione ressaltaram na definição do “Link” a importância de quebrar o ciclo de violência eles lembram pais, autoridades e sociedade que é importante detectar tais ambientes e adotar todas as providências possíveis de modo a impedir a continuidade desse ciclo.


Policiais e Guardas Municipais, ao atenderem ocorrências de maus-tratos aos animais, devem verificar se há outras vítimas humanas e comunicar as autoridades do município, de modo a manter pelo tempo necessário visitas para apoio psicológico, assistência social, dentre outras ações, ao mesmo tempo em que se investiga seriamente o crime - missão da polícia judiciária (polícia civil).


Vizinhos e amigos, médicos veterinários, professores, patrões e outros, ao perceberem vítimas de ações de crueldade animal ou violência doméstica praticada por determinada pessoa, devem avisar as autoridades não apenas porque ninguém merece viver em sofrimento (vítimas humanas e não humanas), mas porque se deve quebrar esse ciclo de violência que tende a se manter, transferindo-se de pais a filhos enquanto esse ciclo existir.


Promotores e Juízes, ao receberem processos judiciais com as situações aqui descritas precisam ampliar sua atuação, indo além das denúncias e decisões tradicionais, adicionando na pena prevista, acompanhamento obrigatório de psicólogos e outros profissionais, de modo a reduzir nos criminosos a violência que torna vivo o “Link”.


Universidades e pesquisadores devem se instigar e estudar, cada vez mais, os indicadores, as conexões, e sugerir políticas públicas que possam ser aplicadas e replicadas como ações de Estado para atuar na base do problema, ou seja, na família.


Políticos em todas as esferas precisam acreditar que investir sua representação de mandato nesse tema trará repercussões positivas com redução de violência na sociedade.

É bem provável que se Idemir tivesse tido algum apoio externo (sido retirado daquele ambiente, acompanhamento psicológico, formação escolar) quando, criança e adolescente, não teria se transformado em Sombra nem batizado pelo PCC e tantas famílias não sofreriam com a violência por ele praticada.

Robis Nassaro

Doutor em Ciências Policiais e pesquisador da Teoria do Link.

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