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100 ANOS DE SARAMAGO: O NOBEL DA LITERATURA QUE ENXERGAVA O QUE SE FAZ AOS BICHOS

No centenário de nascimento do autor português, revisões lembram compaixão do autor pelos animais

16/11/22 15:00

Por: Sabrina Pires

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Reprodução: José Saramago com um dos cachorros da casa

Reprodução: José Saramago com um dos cachorros da casa

– Como podem homens sem Deus serem bons?, perguntaram a José Saramago, certa vez.

O autor português, ateu convicto, respondeu:

– Como podem homens com Deus serem tão maus?


O diálogo não tem fonte clara, mas é recorrentemente citado na internet. E foi a partir dele que um professor da área da biologia virou pesquisador de literatura. Uma boa mistura de ciências e letras, de animais e José Saramago.


Jaime Bertoluci dá aula na ESALQ (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) da USP. E também pesquisa para o IEA (Institutos de Estudos Avançados da USP) sobre a compaixão pelo sofrimento dos animais (imposto pelo homem) na obra do prêmio Nobel de Literatura, que hoje, se vivo, completaria 100 anos. Percebi logo cedo que ele expressava nos livros, na ficção, a compaixão tanto pelos pelos homens quanto pelos animais”, diz o Bertoluci.

“Encontro nos cachorros mais humanidade que nos homens”

José Saramago está sendo lembrado hoje. O ano todo. Há congressos, relançamentos, discussões sobre o polêmico escritor. Um homem que não se deixava aprisionar e enfrentou críticas pelo o que escreveu e pelo o que disse.


Em relação aos animais, não ficou em cima do muro: “Se pudesse eu, fecharia todos os zoológicos do mundo. Pudesse eu, proibiria a utilização de animais nos espetáculos de circo. Não devo ser o único a pensar assim, mas arrisco o protesto”, escreveu Saramago, no blog que mantinha, em 2009.


Ele também se indignou com a situação de uma elefanta que vivia no zoológico de Barcelona, na Espanha, em um espaço pequeno. “O chão que ela pisa é de cimento, o pior para as sensíveis partes destes animais que talvez ainda tenham na memória a macieza do solo das savanas africanas. Cuidar de Suzi (a elefanta), dar lhe um fim de vida mais digno. A quem devo apelar? À direção do zoológico? À Câmara?”. E também se posicionou contra os testes feitos em animais para avaliar cosméticos e travesseiros de plumas: “as penas dos aves destinadas a recheio de almofadas de dormir são arrancadas assim mesmo, ao vivo”.

Vídeo da Fundação José Saramago

Cachorros - “Encontro nos cachorros mais humanidade que nos homens”, afirmou o autor português em 2003, no México. A relação dele com os cães nem sempre foi tranquila. Na infância, tinha medo, sofreu traumas. Com o tempo, aos poucos, a história mudou. Ao lado da mulher, Pilar Del Río, alguns foram adotados. Quando um deles, Pepe, morreu, Saramago declarou: “Eu não imaginava que se pudesse chorar por um cão como eu chorei”. E o inverso aconteceu. Quando o escritor morreu em 2010, a viúva do autor descreveu o comportamento de Camões, um dos cachorros da casa. “Quando percebeu que o dono já não estava, nem ia estar, que isso é a morte, uivou, gritou, rasgou-se numa dor que arranha a alma só de descrevê-la.”


O olhar direcionado aos animais no dia-a-dia transbordava para as obras. O professor Bertoluci estudou cinco livros e uma peça de teatro do Nobel de Literatura. Encontrou diversas passagens que confirmam a tese sobre compaixão. “A presença de animais é quase uma constante na obra de Saramago, desde bois puxando carros pesados e touros sendo martirizados em arenas em “Memorial do Convento” até um elefante realizando uma viagem insólita em “A viagem do elefante”, passando por rolas e cordeiros sendo sacrificados em rituais religiosos em “O evangelho segundo Jesus Cristo”, muitas vezes com a clara função de expressar a compaixão do autor pelo sofrimento de homens e animais e criticar as atitudes que o geram”, diz o professor.


Segundo o pesquisador, em grande parte dos casos, os abusos das histórias eram motivados por questão religiosa. E mais, ao estudar a obra de Saramago, descobriu que a defesa em nome dos bichos não se tratava de atitude pontual ou panfletária. Por isso, o título de um dos artigos de Bertoluci é a melhor forma de lembrar o único - até hoje - Nobel de Literatura em Língua Portuguesa: “O Ateu Amoroso”.

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