Lili, protagonista de Federica Felina / Foto: Arquivo pessoal
Não estava muito afim de ler sobre despedida. Talvez pela overdose do tema nos meus últimos anos. Mas, enfim, o livro - fininho - chegou recomendadíssimo por uma amiga querida. Pensei: “vamos lá, não vai doer”.
E o que não é um livro bem escrito! Um bálsamo. Acompanhar o que vai pela cabeça da gatinha Lili abraça a cada linha. Me lembrou - sei lá por quê - o mingau de chocolate que minha avó fazia. Simples, saboroso, aconchegante. Daqueles que você devora devagar porque vê que o fim se aproxima a cada bocada, a cada página. (Lembra, livro fininho?)
E é justamente sobre o fim que se aproxima que o jornalista Sérgio Roveri escreve diretamente da “mente” da gatinha. “Os humanos, talvez por terem apenas uma vida, se apegavam a ela de uma maneira indecorosa e querem estender a nós este medo da morte que nasceu com eles e nunca os abandonou. Nós dizemos adeus com muito mais calma e maturidade”, escreve Lili na ficção com tinta de realidade.
"A lição mais básica desta vida é a de que gatos, assim como os afetos, e assim como as pessoas, nesta ordem, são insubstituíveis"
O título revela o assunto, mas não a alegria que o livro carrega. “Federica Felina - a gatinha que ensinou a dizer adeus”, da editora Caravana, conta a história inspirada na gatinha (que realmente existiu). Na cabeça do autor (e tutor), ela é encantada por palavras pomposas e também pelo diretor de cinema, Federico Fellini. E o texto tem vocação cinematográfica mesmo, dá para imaginar a cena: “Então, eu corro feito louca para alcançá-lo ainda na cama, a tempo de ganhar algumas cócegas nas costas e na barriga. Nestas horas, eu acredito que a felicidade alonga os músculos e a alma.”
Há muitos livros com gatos protagonistas. De início, até me lembrou de “A gata do Dalai Lama”. Ela também tem ótimas tiradas. No caso de “Federica Felina”, o mais interessante é o ordinário, a ideia de que temos zilhões de “Lilis” por ai. E são esses bichinhos-mestres que nos elevam, nos ensinam e podem nos proporcionar experiências tão sutis e intensas quanto essas narradas em 67 páginas.
Com humor e poesia em medidas delicadas, o livro tem pitadas de ensinamentos profundos. Como a importância de adoção do ponto de vista de quem não tem um lar. “De nada adianta termos sete vidas se não pudermos contar com a bondade de estranhos na primeira delas”.
A publicação deixa aquela sensação de “quero-mais”, sabe? E Lili, tão nova, sabia muito: “A lição mais básica desta vida é a de que gatos, assim como os afetos, e assim como as pessoas, nesta ordem, são insubstituíveis.” Lili, foi um prazer. Porque tô pra ver uma despedida tão leve e saborosa.